Estaríamos vivendo uma crise existencial? (Reflexão)

Há cerca de um ano um motorista decepava o braço de um ciclista em plena Avenida Paulista. Atropelava o jovem, depois fugia sem prestar socorro, levando o braço morto preso ao seu carro. Bizarro.

Há um mês se discutia a sanidade da Jornalista Rachel Sheherazade ao proferir um suposto discurso apologético ao “olho por olho, dente por dente”, quando se referiu ao episódio do menino amarrado em um poste por “justiceiros”.

Há uma semana vimos o impasse dos que se levantaram pró-ditadura militar. Acompanhei centenas de comentários chamando os que se colocavam em posição contrária estes de reacionários. Outras centenas qualificando todo aquele que agradecia pelo fim do regime ditatorial de “petista empedernido”. Tentei, por vezes, argumentar que preferir democracia à ditadura não é uma questão partidária. Pouco me importa se o partido no poder seja de centro, esquerda ou direita. Desde que seja eleito democraticamente, e assim se mantenha, será a priori melhor do que qualquer ditadura, na minha opinião. Dramático.

Há dias foi divulgado o resultado de um teste de raciocínio que fez parte do último Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Os alunos brasileiros ficaram em 38° lugar entre 44 países. No resultado geral do Pisa, divulgado em dezembro passado, não fomos melhores: entre 65 países, somos o 58º em matemática, o 55º em leitura e o 59º em ciências. Desolador.

E agora, o que estará acontecendo exatamente agora no Brasil? Quais barbaridades? Parece que há uma deprimente conexão entre tudo isso. No trânsito, na avaliação escolar, numa ironia incompreendida. No aluno que plagia ou que empurra os estudos com a barriga. No fato de que lemos em média 4 livros por ano – e o índice cai a cada nova edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Na ignorância dos que culpam o decote pelo estupro, a democracia pela insegurança pública. Nos que culpam sempre o outro sem olhar para o próprio umbigo.

Nessas e em tantas outras situações do dia a dia há uma conexão deprimente. Há uma espécie de Teoria dos Seis Graus de Separação em vigor no Brasil. Mas não são os seis graus originais, que dizem que estamos todos a no máximo seis contatos de qualquer outro ser humano no planeta. É uma versão distorcida e bizarra dessa teoria.

Será que no Brasil estamos todos a no máximo seis passos da ignorância total, da caverna, da escuridão, do estupro coletivo? O perigo não mora ao lado; mora em nós. Somos ignorantes, toscos, muito violentos e despreparados. Somos passivos e arrogantes. Somos uma mistura explosiva de intolerância e prepotência.

Estamos discutindo, em pleno século 21, se tortura é legal, se estupro é culpa da roupa, se linchamento é justiça, se polícia pode prender para “averiguação”, se é melhor milícia ou tráfico.

Mas a boa notícia é que sempre podemos mudar. Não é a colonização portuguesa que nos faz, hoje, furar o sinal vermelho na rua. Não é o calor tropical que nos faz tentar justificar estupros ou linchamentos. Não é a ditadura militar que nos obriga a tentar molhar a mão do PM durante uma blitz. Não é culpa da Fifa se furamos filas, se atrasamos em nossos compromissos, se não lembramos em quem votamos para vereador, deputado, senador.

A culpa é nossa. A responsabilidade é nossa, também, por termos o país que temos, pela sociedade em que vivemos. Como melhorar? Tenho me perguntado como melhorar. Meus colegas perguntam: como melhorar? Minha namorada quer saber: como melhorar? Impossível achar a resposta perfeita, mas comecemos nos responsabilizando mais por todas essas coisas. Sócrates utilizava um método infalível através de perguntas sucessivas aos seus interlocutores e aprendizes, o que os levavam a pensar. Comecemos pelas perguntas corretas.

E vamos viver o presente, transformar o presente, sacudindo a poeira das “heranças malditas”. Ou, como disse o poeta:

Não sejamos poetas de um mundo caduco.
Não neguemos a nossa matéria: o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

Com esse artigo, peço licença para me recolher à reflexão e oração diária. Um abraço e até mais.

Adaptado de Renato Essenfelder do Estadão, Danilo Henrique
COMPARTILHAR:

+1

0 Comentario "Estaríamos vivendo uma crise existencial? (Reflexão)"

Postar um comentário